A pressão de todas as empresas por cortes de custo enxugou os investimentos em publicidade em 2016. Os projetos para construção de uma marca no longo prazo tiveram de ceder espaço a campanhas feitas pensando em aumentar as vendas no curto prazo, afirmou ao G1 David Laloum, presidente da agência Young&Rubicam no Brasil, líder no mercado publicitário brasileiro.
"Os clientes estão atrás de resultados de curto prazo. É uma dinâmica em que a questão comercial é preponderante a construção de marca estratégica", afirmou Laloum.
O G1 ouviu líderes de grandes empresas brasileiras de diferentes setores sobre os impactos da crise no seu negócio e suas perspectivas para a economia brasileira. Nos próximos dias vamos publicar entrevistas com:
Laloum é francês, mas mora no Brasil desde 2006, quando ingressou no escritório da Y&R no Brasil. É presidente do grupo desde janeiro de 2016. A Y&R é líder no ranking de agências brasileiras do Ibope Monitor há 14 anos. A empresa faz parte do grupo WPP e tem 183 operações no mundo. O escritório de São Paulo já foi o maior escritório da companhia, mas perdeu espaço no ranking global nos últimos anos diante da crise econômica no país. Atualmente, a Y&R tem como clientes marcas como Casas Bahia, LG, Vivo e Itaipava.
Leia a seguir a entrevista com David Laloum:
Como foi o ano de 2016 para o setor publicitário?
O ano de 2016 foi bastante desafiador. Nossos resultados tiveram um leve decréscimo comparado com 2015. Alguns anunciantes, devido à conjuntura, estavam um pouco mais resistentes a um investimento forte em propaganda para simplesmente poder controlar melhor seus números.
O corte do investimento publicitário foi generalizado ou foi mais forte em alguns setores?
Alguns setores são mais impactados. É só olhar o resultado das empresas e você vê que o varejo como um todo foi muito impactado. Algumas indústrias como a farmacêutica são mais preservadas nesse momento. Um setor como telecom continua com uma dinâmica boa apesar de um crescimento menor que o previsto. Acho que de maneira geral (o corte) foi equilibrado fora algumas exceções.
O cenário econômico e político influenciou do ponto de vista criativo?
Não. Acho que as marcas continuam, com seus objetivos específicos e trabalham em cima de sua estratégia. O que aconteceu e impactou o plano criativo foi que os clientes estão atrás de resultados de curto prazo. É uma dinâmica em que a questão comercial é preponderante a construção de marca estratégica. A dinâmica das marcas foi um pouco mais tática, um pouco mais varejista, buscando resultado de curto prazo, que o cenário econômico está pedindo.
Em tempos em que a cobrança por resultados é tão forte entre as empresas, qual o papel da criatividade?
Depende do olhar que se tem sobre a criatividade. No caso da Young, temos um foco na criatividade eficaz. Buscamos a criatividade que traz resultado para os negócios. Isso tem a ver com a sua capacidade de ser diferente, original, mas também de ser relevante quando se trata de um produto ou serviço. O papel de uma agencia em relação a criatividade é comprovar que as campanhas estão trazendo resultados de negócios para as marcas. Temos cases de marcas que a propaganda começou a ser foco, como uma cervejaria que trabalhamos, que mostram que além do resultado de marca temos um crescimento de market share (participação de mercado) excessivamente relevante.
Qual a sua perspectiva para 2017?
No nosso caso, sentimos uma retomada do nível de atividade em dezembro e janeiro. Mas temos que ver se todas as atividades vão se confirmar em negócios. Então nosso planejamento para 2017 é de um faturamento estável. Os indicadores macroeconômicos apontam que o primeiro semestre ainda será contido e eventualmente veremos uma retomada da economia no fim de 2017.
Vocês têm planos de investir ou contratar esse ano?
Sempre temos plano de investir e contratar. Eu não tenho parque fabril, a essência do nosso negócio são pessoas. A questão de poder trazer talentos que venham a agregar a nossa proposta de valores sempre é aberta qualquer que seja a conjuntura. Obviamente dentro de uma conjuntura difícil nós fazemos as nossas escolhas.
Quais as principais tendências da publicada para 2017?
A primeira coisa é um olhar novo sobre o consumidor, que está ligado a como se constrói marcas hoje em dia. Precisa de mais dialogo, mais transparência, mais horizontalidade na relação das marcas com o consumidor. Dois, a questão das marcas tendo mais propósito para a sociedade. As pessoas querem entender qual a contribuição real das marcas para a sociedade e isso faz diferença nos critérios de escolha. Dentro dessa dinâmica, existe também uma tendência geral das marcas serem menos uma representação de um mundo ideal e um pouco mais um vetor de representatividade da realidade da sociedade. Isso tem a ver com muitos movimentos que vimos nos últimos anos e a gente precisa representar a sociedade com mais veracidade e com mais diversidade. E o último ponto tem a ver com a capacidade de as marcas trazerem uma experiência ideal. A nova economia trouxe muito benchmarking (referência) de uma experiência ideal de serviços. Quando a gente fala em Apple, Uber, elas transcendem a experiência do consumidor e isso virou referência para qualquer setor de atividade. Isso está ligado a conteúdo, aplicativo, a interface de maneira geral, a inovação e a uma experiência idealizada. Tudo isso dentro de um contexto Brasil, que é de busca de eficiência, produtividade e resultado dentro de uma economia que ainda está contida.
A relação dos consumidores com as marcas mudou?
Hoje eles têm muitos recursos de informação, principalmente através da tecnologia. Isso faz com que as marcas sejam menos relevantes para eles se continuarem a se comportar do mesmo que jeito que há dez ou quinze anos. Toda a comunicação foi construída até o meio dos anos 2000 no conceito de ‘love brands’, que eram marcas em cima de um pedestal, com valores e pensamentos e o mundo compra elas porque compram esses valores. Acho que é um jeito muito ‘top down’ (de cima para baixo) de as marcas falarem. Hoje os consumidores são mais empoderados e a relação com a marca é mais horizontal, como um diálogo. Então as marcas estão aprendendo a dialogar, a ser mais transparentes. Acho que todas as marcas hoje têm que ter um quê de ativismo, de um tipo de contribuição para a sociedade, dentro da sua área de atuação.
A visão dentro do grupo sobre o Brasil mudou diante do cenário político e econômico?
Acho que mudou a relação de todo grupo internacional do nosso setor em relação ao Brasil. Nós fomos os astros globais em relação a crescimento, resultado, criatividade durante muitos anos. A Young do Brasil chegou a ser o maior escritório do mundo da Young, que é uma empresa de 180 operações, até 2013. Então aconteceu a crise e também a desvalorização do real comparado com outras moedas que fazem com o que hoje em dia o Brasil fique no top 3. Mas, ao mesmo tempo, o olhar dos nossos acionistas sobre o Brasil é direcionado ao médio e longo prazo. Como todo negócio global eles sabem que as regiões têm ciclos. Estamos em um ciclo desafiador e em uma dinâmica negativa de mercado como um todo. Nossos acionistas sabem que quando esse ciclo se encerrar, volta algum tipo de crescimento. Eles têm certeza que o Brasil é ainda um mercado de grande potencial de crescimento e consolidação.
Como a agência reagiu à crise?
Obviamente a gente recebeu uma pressão forte sobre o negócio. Mas ao mesmo tempo é um momento interessante para mudanças. O Brasil cresceu de forma quase natural durante sete ou oito anos e esse crescimento nós acompanhamos também de forma natural. Mas quando chega a crise é momento de reavaliar as coisas e aproveitar para inovar. É isso que fará diferença na saída da crise. Tivemos um foco muito grande em novas iniciativas, novos modelos, novas plataformas, na inovação como um todo, na questão do digital.
O que são exatamente essas iniciativas?
Uma delas é uma aproximação com o universo de startups. A gente montou uma parceria com várias startups e trabalhamos produtos e serviços ligados ao marketing e comunicação para alguns de nossos clientes. E depois de seis meses de trabalho com essas startups estamos chegando hoje a um momento de poder apresentar propostas para alguns de nossos clientes.
Qual a função da agencia de publicidade hoje?
Antes de tudo, uma agencia de propaganda é um parceiro estratégico de negócios para os clientes. A propaganda tem como fundamento ajudar o crescimento dos negócios. No caso da Young, a gente investe muito em ferramentas e pessoas nas áreas de planejamento estratégico, de mídia, de inteligência de mercado. A gente tem que ajudar as marcas a achar um caminho que está muito ligado ao resultado do negócio.